07. A ideia de infinito “como coisa real por dentro”

Sim, “como coisa real por dentro” porque a ideia de infinito não corresponde a nada que me tenha vindo do mundo que ainda nem sei ao certo se existe, mas cuja ideia tenho em mim legitimamente. Tampouco vejo em mim condição de tê-la produzido por mim mesmo, se comparo a definição de infinito com as ideias que trago sobre mim mesmo e sobre o mundo – que em comum possuem todas a qualidade de serem finitas.

Ou, dito de outro modo: se a duração é meu critério de ser, e durar é uma qualidade finita, com começo, meio e fim, a ideia que tenho em mim de infinito não se define por esse critério, isto é, não é uma duração, porque o infinito não tem começo nem fim. Como posso então ter essa ideia em mim?

Tenho de admitir que a ideia de infinito se impõe a mim por si mesma. Por isso, sou levado a pensar que ela sempre esteve aí, em mim, ainda que dela não me desse conta. Ela não é uma invenção, mas uma descoberta. Isto é, ela não é resultado de um argumento que dependa de premissas, mas de um exame de consciência.

O que entendo por infinito, afinal? O que não tem fim nem começo e que, portanto, é causa de sua criação e conservação. Algo que está fora do tempo, mas suponho que, se contemplado desde à sucessão, isto é, do tempo, onde me encontro, me produziria a ideia ofuscante e indescritível de “tudo ao mesmo tempo agora”.

Subitamente, vou de um extremo ao outro: da menor ideia possível de conceber, uma pura duração vazia de conteúdo, passo a uma ideia que se impõe a mim como algo maior do que qualquer coisa que eu pudera jamais pensar, no dizer de Santo Anselmo, e que, devo admitir, sempre estivera em mim, desde sempre. E, entre uma e outra, está Eu, essa imanentíssima e tautológica figura, tão singular e certa como as outras duas.

É óbvio que a ideia de infinito não se obtém pela mera oposição ao finito. Não só porque “do menor não se pode tirar o maior”, mas sobretudo porque se “finito” é uma qualidade que se pode atribuir a todas as criaturas, “infinito” é, para dizer o mínimo, indefinível, no sentido positivo – e, no limite, impensável. Algo que só pode ser dito de um apenas: não há senão um infinito. Citando de novo Anselmo, o infinito é uma ideia tal que outra maior não pode ser concebida. Não há definição melhor. O infinito como ideia está sempre um passo adiante, como um horizonte.

Essa é uma das grande sacadas de Descartes: a ideia de infinito não pode estar em mim por mera oposição ao finito. Ou, dito de outro modo: não é por mim mesmo que chego a esta ideia. Porque o infinito não é o oposto do finito, como já disse, mas um outro grau de ser. E é fácil constatar que nada do que existe aponta para essa ideia. Essa ideia é mais do que objetiva ou subjetiva, ela é de fato sobrenatural. Ela um limite do pensamento onde as palavras sempre só chegam com atraso.

Por considerar – como o senso comum – que a verdade é uma relação de correspondência entre entre a mente e o mundo (não no sentido da invenção, mas da descoberta) – é obvio que uma ideia de infinito que não corresponde a nada no mundo nem em mim só pode estar em mim se posta por um ser infinito que legitimamente suponho ser meu criador e de tudo mais no mundo. E porque, por definição, não pode haver dois infinitos – ou dois absolutos – esse criador só pode ser Deus. Uma conclusão já de outra ordem perfeitamente alinhada ao projeto cartesiano, mas, digamos, dispensável, num ambiente pejorativamente iluminista.

Por ora, fiquemos apenas com essa minha precária descrição da ideia de infinito e vejamos como ela se aplicaria ao mundo – se por definição o abarca.

Só tenhamos em mente que já alcançamos três ideias indubitáveis e um critério ontológico: a ideia de um, ou de que existe ao menos um (eu sou, eu existo); a ideia de zero, de uma pura duração vazia de conteúdo, pura potência (no sentido aristotélico) ou conjunto vazio; e a ideia de infinito, que é a maior de todas as ideias, ou a ideia de ato puro. Além disso, deduzi também um critério de ser: “ser é durar”.

Eis que é chegado o momento de abrir os olhos e confrontar o mundo tal qual meus sentidos o apresentam. Vejamos como ele é, afinal.

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