09. O campo de possibilidades ou a verdade como abismo

O resultado da análise do pedaço de cera pode ser estendido a todas as outras coisas criadas. Tudo está como que mergulhado num campo de possibilidades que é potencialmente infinito, incontável, imprevisível: guardados os limites de sua condição finita, todas as coisas são livres para mover-se no seu campo de possibilidades segundo os impulsos da razão entre sua essência e as circunstâncias dadas pelo mundo ao redor.

Por outro lado, não importa o que façam ou deixem de fazer, o mundo seguirá existindo, pois todas as suas possibilidades já estão inscritas no campo. Isto é, a contingência é o fundamento da liberdade.

No entanto, a liberdade não se conflita com a onipotência do Criador. Se seguirmos por esse caminho, logo encontraremos Santo Agostinho: o mal não tem consistência ontológica, é simples privação de ser. Essa percepção é crucial e complementa o conceito de ato/potência de Aristóteles. Combinando os dois conceitos, podemos dizer que, se todas as possibilidades já estão inscritas minuciosamente no Cosmos, há aquelas que concorrem para seu equilíbrio e outras que, ao contrário, concorrem para o seu desequilíbrio. No entanto, o vastíssimo campo de possibilidades que é o Cosmos será sempre capaz de autorregular-se a fim de compensar esses desequilíbrios e anular no tempo seus efeitos: o ditado popular “Há males que vêm para bem” expressa de maneira incompleta essa ideia. Desse modo, de um ponto de vista teológico, preserva-se a liberdade das criaturas, a onipotência do Criador e sobretudo sua infinita Misericórdia.

Por outro lado, cada coisa, cada simples criatura, torna-se um abismo de verdade. Como escreveu São Tomás, a mente não tem capacidade para esgotar a verdade sequer de uma mosca. Mas, note-se: isso significa que toda criatura, por menor que seja, é um portal para a contemplação da grandeza de Deus. Não há êxtase maior – e ele é acessível a todos os homens que se deixem infundir pela Graça.