∞. O argumento gnosiológico ou a revolução cartesiana

Chegamos ao cerne deste texto, o ponto de onde tudo parte e para onde tudo converge. É minha opinião que Descartes alcançou o que chamarei com uma pitada de ironia de “prova gnosiológica”. A expressão tem duas qualidades que a tornam irrecusável: é exata e provocadora.

Entendo ter descrito aqui o processo pelo qual a ideia de infinito se afirma como condição de possibilidade de toda ideia ou argumento. Por outro lado, como nada na nossa experiência mundana nos indica sua existência, logo a presença dessa ideia em nós – ideia inata, portanto, definidora de nossa essência pensante – só pode ter sido impressa em nós por Deus. Um assunto de outra ordem, portanto. Ecumenicamente, direi apenas: há em mim uma ideia de infinito independente de qualquer experiência mundana e condição de possibilidade da ideia de todos os entes.

Por sua vez, a experiência do Cogito, que nos permitiu chegar com segurança à ideia de infinito, também me parece – e acredito tê-lo demonstrado – irrefutável em seu rigor lógico.

Não custa resumir como chegamos até aqui.

  1. A hipótese gnóstica do Gênio Maligno me obriga a focar a atenção no modo negativo da vontade (noluntas) para não permitir que nenhuma ideia ou argumento dure o suficiente para se erguer com pretensão de verdade em minha mente.
  2. O que emerge dessa experiência é uma ideia singular, produto exclusivo da minha noluntade, mas por definição, indubitável: uma pura duração vazia de conteúdo. Essa ideia de modo algum se confunde comigo mesmo, mas me permite afirmar sem hesitação que eu penso e sou.
  3. Se ao menos eu existo indubitavelmente sinto-me autorizado a inventariar minhas ideias. E as descubro todas possíveis desde que não reivindiquem a contrapartida de um mundo correlato.
  4. Entre elas descubro uma que por definição não pode ser derivada de nenhuma experiência minha real, fictícia, abstrata ou imaginária, porque nada na minha condição finita aponta para a possibilidade de uma ideia de infinito.
  5. Por outro lado, se analiso minhas ideias, como elas se constituem como representação de coisas existentes, que duram no tempo, percebo que elas têm como condição de possibilidade essa ideia de infinito que me me propicia um “domínio do tempo” capaz de me permitir dizer que o ser do momento 1 é o mesmo ser do momento 2, a despeito de suas mudanças. E o mesmo, acrescento eu, pode se aplicado às cadeias causais, que também se desenvolvem no tempo.

Perceber que a ideia de infinito é condição de possibilidade de todas as outras ideias e argumentos é perceber que ela é primeira – na ordem das razões – mesmo que eu só possa me dar conta dela e de seu papel depois da experiência do Cogito. Uma ideia, portanto, inata e definidora de minha condição de ser pensante.

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